Sonntag, 15. Juli 2007

Bem-vindo!

Snoopy, o novo membro da família!

Sonntag, 8. Juli 2007

Dan Perjovschi, WHAT HAPPENED TO US?, at MoMA (Part 1)

Dois vídeos da montagem da exposição das caricaturas de Dan P., em exibição no MoMa.

Dan Perjovschi, WHAT HAPPENED TO US?, at MoMA (Part 2)

Mittwoch, 4. Juli 2007

4th of July

Uma soirée com a Pat, os filhos e os amigos. Iguarias várias, muita crítica política e uma lição de poker. Lá fora ouve-se o fogo de artifício caseiro, que me recorda uma noite de fim de ano em Berlim.

Montag, 2. Juli 2007

Bálsamo

Adams æbler af Anders Thomas Jensen

Um neonazi enviado à província para cumprir serviço civico encontra um padre de optimismo determinado e fé inquebrável, que orienta um ex-tenista alcoólico, um árabe com propósitos terroristas, uma grávida que pensa em abortar e um ex-nazi no fim da vida. Ivan, o padre, é o eixo que mantém este desiqulíbrio numa ordem relativa e harmoniosa. À chegada, Adam, o neonazi, tem de escolher uma tarefa para levar a cabo durante o tempo que passar na igreja: fazer um bolo de maçã.
Mas Adam está mais determinado a quebrar a fé de Ivan para provar que por naureza é mau, e nem Ivan o pode mudar. Por arma tem o livro de Job, que distorce na leitura, e quase consegue o seu propósito, mas as forças que desafia provam ser mais fortes.
Esta é uma comédia sobre assuntos sérios, porque muito correntes, e a reacção divide-se entre a diversão genuína e a reflexão contida. No final, deixa a nostalgia de querer ver o mundo assim. É um bálsamo para curar da realidade.

Sonntag, 1. Juli 2007

A Europa em Portugal

Mapa da Europa por Gerardus Mercator, séc. XVI

Depois do dinamismo e do sucesso da presidência alemã da União Europeia, a herança é pesada para a presidência portuguesa. A lista de prioridades para os próximos seis meses reorienta a atenção dos 27 para o Mediterrâneo e para as duas margens do Atlântico sul, o que evoca algum cepticismo nos parceiros mais a norte. A juntar a isso, internamente Portugal está preocupado com a imagem. Literalmente, a julgar pelo lado visível da preparação, o site da presidência, em que até hoje se encontrava sobretudo informação turística sobre o país, suportada pelo design do logo nas cores nacionais de todos os parceiros alternando ao som de uma melodia futurista.
Hoje já assim não é: a música foi substituída pelos discursos.
A outra preocupação com a imagem traz laivos de vaidade, de querer deixar uma marca na história, de juntar a Lisboa o Tratado, depois da Estratégia. Um desejo legítimo, mas secundário ante o alcance da tarefa. Um consenso a 27 vozes não é fácil, como a recente história do Tratado (geb. Constituição) claramente mostra. E depois porque no coro há sempre timbres de dissonância, como mostrou recentemente a Polónia.
A cooperação transatlântica é estratégica, mas a estabilidade interna, a identidade da UE, é a sua condição primeira. É importante que a presidência portuguesa saiba distinguir entre o que foi Portugal antes da Europa, uma nação periférica com uma história voltada para o mar, do que hoje é o seu papel de parceiro activo no continente. E que saiba reconhecer que a união dos 27 é mais importante a longo prazo do que a fama (sempre relativa) de um só.
Portugal não se livrou ainda do "orgulhosamente sós" e tem uma necessidade permanente de se afirmar, o que com frequência confunde com efeitos especiais instantâneos (veja-se a Ota), em vez de procurar a estratégia mais sustentável, que trará o devido reconhecimento a seu tempo. Impõe-se por isso a necessidade de manter o dinamismo e a concentração de Berlim. A continuidade eficiente do work in progress europeu é a prioridade do momento. Esta poderá bem ser a marca que a presidência portuguesa de 2007 pode deixar na história da UE. Uma glória nada pequena ante a grandeza da tarefa.

Donnerstag, 28. Juni 2007

Ainda no MoMA

A surpresa de redescobrir este caricaturista, que conhecia de uma exposição em 2005 no Museu Ludwig em Köln. Pointiert, gewagt, genial!

Dan Perjovschi, WHAT HAPPENED TO US?, at MoMA (Part 1) E uma curiosidade.

Richard Serra at MoMA - Torqued Ellipse IV (1998)

A escultura do jardim.

Memórias de Nova Iorque 2: MoMA

A primeira impressão deste museu é de um espaço agradável e estimulante. Linhas claras e simples, salas de dimensão ajustada, átrios amplos em cada andar e a mesma vista, cada vez mais alta, sobre o jardim, onde o movimento das pessoas torna orgânica a massiva escultura minimalista.
A colecção é vasta e o último piso, da pintura europeia do século XX, é o mais visitado. Hoje fica a memória do encontro com Magritte, a emoção de ver a obra do ponto exacto em que a completou o pintor.
Les Amoureux, 1928

Faux Mirroir, 1928

Le Palais des Rideaux III, 1928-29

Dienstag, 26. Juni 2007

Sinn

Tagebuchschreiben. Entweder glaubt man, dass man so viel wesentliches sieht, und man kommt sich wichtig vor. Oder, vielleicht, schreibt man um zu prüfen, ob sich was wesentliches ereignet.
PW, Das Kopenhagener Journal

Sonntag, 24. Juni 2007

Memórias de Nova Iorque







A chegada a Nova Iorque foi uma imersão num ambiente absolutamente urbano, que me faz falta aqui em Cleveland. A cidade é imensa, mas diversa, e ao contrário do que tinha lido e ouvido, não me senti num canyon ao andar pelas avenidas (excepção feita ao Times Square em hora de ponta). A dimensão e o número de habitantes tornam-na menos humana do que Boston, mas é um sítio estimulante que no final da visita faz perceber o que tanto ainda ficou por ver e fazer.

Hoje, memórias da arquitectura da cidade: o Times Square à noite, do Midtown visto do Empire State Building, do Financial District visto do Hudson, do Metro e da 42nd Street.

Dienstag, 12. Juni 2007

Do Canadá


Author's note

This book was born as I was hungry. Let me explain. In the spring of 1996, my second book, a novel, came out in Canada. It didn't fare well. Reviewers were puzzled, or damned it with faint praise. The readers ignored it.
The fiasco did not affect me too much. I had already moved in to another story, a novel set in Portugal in 1939.

Afinal, não foi sobre Portugal que Yann Martel escreveu. A ideia do romance morreu num manuscrito que o autor enviou para um endereço fictício na Sibéria, com uma morada de retorno imagnária na Bolívia. (Pena...)
Da viagem à Índia nasceu uma outra, a de Pi, um rapaz indiano que partilha um barco salva vidas com um tigre na vastidão infinda do Pacífico. Uma história insólita e cativante, que página a página faz sentir a lonjura do mar e o vagar do tempo. O que o livro desperta é mais do que empatia: é a experiência do desespero e da solidão angustiante, que desafia a fé peculiar de Pi.

Ainda assim, gostava de saber o que teria acontecido em Portugal, em 1939...


I knew very little about the religion. It had the reputation of few gods and great violence. (51)

Look at the world created in seven days. Even on a symbolic level, that's creation in a frenzy. (57)

I can well imagine an atheist's last words: "White! White! L-L-Love! My God! - and the deathbed leap of faith. Whereas the agnostic, if he stays true to his reasonable self, if he stays beholden to dry, yeastless factuality, might try to explain the warm light bathing him by saying, "Possibly a f-f-failing oxygenation of the b-b-brain", and so to the very end, lack imagination and miss thebetter story. (64)

Canada meant absolutely nothing to us. It was like Timbuktu, by definition a place permanently far away. (79)

Montag, 11. Juni 2007

Dienst.Leistung

Tägliche Presseschau aus den 27 EU Ländern und der Schweiz. Ein Beitrag der Redaktion bpb - Bundeszentrale für politische Bildung mit dem Ziel, die Diskussion um national relevante Themen auf weitere europäische Länder zu erweitern. Ausgewählte Artikel aus verschiedenen Rubriken (Politik, Kultur, Gesellschaft) werden in drei Sprachen zusammengefasst und mit Links zu den Originalausgaben versehen.
Eine hervorragende Leistung im Dienst einer integrierten europäischen Öffentlichkeit.

Freitag, 8. Juni 2007

Beckett com Irons

Ohio Impromptu

Um leitor e um ouvinte, de aspecto idêntico sentados a uma mesa. A história que partilham - a do ouvinte? - fala de um homem e da perda de alguém querido, da partida para uma ilha onde não estiveram. Os sons desconhecidos do lugar sublinham a ausência e o desespero. Voltar não é possível. E o sono à noite não vem. Uma noite, um outro homem aproxima-se, enviado pelo ser amado para conforto do que ficou. Sem mais palavras, tira um livro do bolso do casaco e lê. Uma história triste. Sem uma palavra, afasta-se em seguida. Noite após noite, o homem regressa e sem preâmbulo começa a leitura, finda a qual se afasta, sem uma palavra. Até que uma noite diz que será a última. Já não é preciso o seu conforto, e mesmo que quisesse, não tem poder para voltar. E assim, os dois, tornados num só pelo ritual da leitura nocturna, permanecem sentados, em silêncio, como se tornados em pedra.

Uma peça que é aquilo de que fala. E um leitor como uma voz interior, um efeito da mente.

Um impromptu onde nada é deixado ao improviso, escrito de encomenda para um simpósio em Columbus, Ohio. Ohio, onde a elevação vem precedida de um vazio e para outro semelhante se dirige.

Indigo

Faz-me falta o azul salgado e a imensidão que esconde o desconhecido. O fim de tarde em Cleveland é verde de terra e água. O vento traz um som continuado, lento, e logo depois andante, eufórico. Como era aquele ir e vir da água, regular como o bater das horas?
Aprendo a dormir ao som agitado da folhagem.
Faz-me falta uma toalha de linho, procelana azul, transparências de bordeaux. O vagar de ver arder uma vela. De esquecer o tempo a ouvir uma voz.

Sonntag, 3. Juni 2007

Efter Brylluppet

Efter Brylluppet

O valor da vida depende da geografia. Jacob (Mads Mikkelsen) é um dinamarquês que ajuda crianças de rua na Índia. O orfanato que dirige ameaça fechar, quando ele recebe uma oferta inesperada. Um poderoso homem de negócios de Copenhaga, Jorgen (Rolf Lassgard), dispõe-se a doar 4 milhões de dólares, com a condição de Jacob vir até à Dinamarca, para o conhecer pessoalmente. Jacob chega com um vídeo onde mal cabe o quotidiano longínquo das muitas muitas crianças indianas. Jorgen convida-o a ir ao casamento da filha no dia seguinte. A ocasião revela-se uma coincidência demasiado forte. Jacob reencontra o passado, que em parte desconhecia, e tem de tomar uma decisão tão penosa como importante.

Os diálogos têm a força de uma vertigem. O embaraço de Anna e Jacob é comoventemente humano, neste encontro tardio e inesperado. A consciência da morte e a oportunidade da despedida, de dizer o que mais importa, perturbam. No final, outra despedida, tão natural que parecia impensável. Um epílogo conseguido para um filme marcante.

Sonntag, 22. April 2007

Spring?


Com um mês de atraso. Quand-même...

CogSci party

Sexta-feira, fim de tarde, dourada do sol a pôr-se. A primeira festa do departamento de Ciências Cognitivas a marcar as primeiras graduações e o final do semestre. E o início de uma tradição.

Dienstag, 17. April 2007

Virtual? Realidade.

Depois do massacre de ontem na Virginia Tech, o choque continua, agora com as reacções. Entre os ecos da imprensa, alguém afirma que se os alunos estivessem armados, o número de vítimas teria sido menor. Mas ninguém ainda perguntou porque é que um jovem de 23 anos precisa de uma arma, e, pior ainda, como é que conseguiu comprar legalmente não uma, mas duas.
Se os alunos estivessem armados, teriam travado Cho a tempo. Mas a que preço? Uma arma não é uma garantia de ética social, é um instrumento de poder efectivo, irreversível e quase sempre mais rápido do que a mente que a controla. Em retrospectiva, a solução é computacionalmente eficaz. E em perspectiva? Que garantia há que o jovem que atira para se defender não possa atirar sem precisar de motivo? E que espécie de sentimento evoca esta corrida às armas para evitar a violência?
Episódios como este são trágicos, mas a discussão que se lhes segue é assustadora. Este acontecimento acentua a desconfiança que é evidente, ao fim de algum tempo aqui, no quotidiano: desde a pessoa no passeio que sempre cumprimenta com um sorriso e um olhar perscrutinador, ao small talk numa loja ou espaço público. Como se a comunicação exorcisasse ou prevenisse alguma intenção agressiva do outro.
É mais uma ocasião para repensar a espiral de segurança, um cerco que aperta cada vez mais o cidadão comum limitando-o na sua liberade e tornando-o suspeito até prova em contrário. Em si um motivo para inspirar extremismos.
Chan tinha o perfil típico de um sociopata: era calmo, sozinho e escrevia textos perturbantes nos seminários de inglês. Com isso vai tornar difícil a vida de tantos outros estudantes com idênticas características. A estes não faltará o assédio da comunidade para uma sociabilidade forçada, sob pena de desconfiança e vigilância policial. Afinal, este é o país em que as notícias não terminam sem um tiroteio, uma agressão, um julgamento, em que se discute na rua o massacre com a mesma linguagem das séries policiais, em que o cidadão comum é convidado todas as semanas numa série de TV a denunciar anonimamente um culpado.
É assustadoramente ténue aqui a fronteira entre realidade e ficção.

Freitag, 13. April 2007

Carta da Carolina


Titi:
eu gostava de estar contigo aí em América.
É um lindo país. (Acho eu.)
Titi, quando é que tu voltas para Portugal? E porque saíste de Portugal?
Titi, porque tu não trabalhas em Portugal e trabalhas em vários países?
Eu tenho saudades tuas.
Um grande beijinho da
Carolina.
O que lhe respondo?

Donnerstag, 12. April 2007

Tristes notícias

Venho tentando conhecer melhor o país onde me encontro através da literatura que aqui se produz e que por desconhecimento ou preconceito nunca tive vontade de ler.
Uma recomendação de um colega levou-me a escolher dois livros de Kurt Vonnegut para o serão. Qual não é o meu espanto quando descubro no New York Times que o autor morreu ontem...
Quando procuro ecos da notícia deparo-me com outra no Público, quase abafada pela pequenez das notícias realmente importantes (como a licenciatura do primeiro-ministro; e o ataque ao Parlamento iraquano?). António Lobo Antunes luta contra um cancro e conta-o na crónica da Visão desta semana. Só espero que depois do espanto consiga intimidar a morte com a mesma arrogância com que afasta todos de si.
*****
Não quero aqui ninguém. Quero ficar sozinho a medir isto, a minha doença, a minha mortalidade, o meu espanto. Por mais que repetisse- Um dia destes
não acreditava que o dia destes chegasse. E agora, Março de 2007, veio com a brutalidade de uma explosão no peito. Não imaginava que fosse assim, tão doloroso e, ao mesmo tempo, tão pouco digno como a velhice e a decadência. Tão reles. O olhar de pena dos outros, palavras de esperança em que não têm fé, dúzias de histórias de criaturas que passaram por isso que tu tens agora e estão óptimas. Recuperando aos poucos da anestesia vou dando-me conta de que um bicho horrível em mim, ratando, ratando. Dois sentimentos opostos- Vou lutar, não vou lutar
e o primeiro fala antes do outro- Chamem o Henrique
um grande cirurgião, um colega de curso, um amigo, uma das muito poucas pessoas a quem entregaria sem hesitações o meu corpo. Este texto talvez vá um pouco desconexo, desculpem, ainda estou fraco, a cabeça tem lacunas, falta-me vocabulário, há mais de nove dias que não pegava numa caneta e é difícil reaprender a andar. O meu medo que o Henrique não pudesse. Mas disse a quem lhe fala- Eu vou já lá abaixo
e enquanto me faziam uma TAC vi-o atrás do vidro, sério, a apertar a boca. Depois veio ter comigo- Opero-te amanhã de manhã
e queria que soubesses, Henrique, a esperança que as tuas palavras me trouxeram. Não só esperança: o que não sei dizer. Ou antes sei mas tenho vergonha. Contento-me em pensar que tu sabes também. Sei que sabes. Basta a maneira de protestares, de mão contrariada- Não me agradeças, não me agradeças basta o teu afecto pragmático diante das minhas perguntas- Uma coisa de cada vez
o modo como me disseste- Eu trato-te
como diante da minha aflição, aflição sim senhor, deixemo-nos de tretas- E se houver metástases no fígado?- Eu tiro-as
e eu tentando pôr-me no teu lugar pensando como deve ser penoso operar um amigo. Um amigo desde os dezoito anos. Em como deve ser penoso, em como deve ter sido penoso para o Henrique trabalhar com uma carga afectiva em cima dele, naquelas circunstâncias. Mexeu-me todo: tirou a vesícula, tirou o apêndice, até as glândulas seminais andou a ver. Isto há dez dias, onze dias. Escrevo do hospital onde estou, é a primeira vez que uma pessegada destas me sucede.Magro, magro. Com uma algália ainda: é uma sorte que uma algália ainda, tive mil trezentos e seis tubos a saírem de mim. Espero que na revista entendam a caligrafia tremida da crónica. Suceda o que suceder, uma coisa tenho por certa: isto alterou, de cabo a rabo, a minha vida.
Ignoro em que sentido, ignoro como. Sei que alterou. Santa Maria. O que farei daqui para a frente, se existir daqui para a frente? Livros, claro, foi para isso que me mandaram para o meio de vós. Quando isto sucedeu lutava com um, tinha outro pronto, já antigo, pronto há um ano e tal, para Outubro. Para dar tempo aos tradutores de o traduzirem e saírem mais ou menos na mesma altura que em Portugal. Esse livro tem a melhor prosa que fiz até hoje, parece recitado por um anjo. Aquele em que trabalhava é apenas um embrião, cerca de metade do primeiro esboço, falta-lhe quase tudo. A partir de agora, se calhar, falta-lhe tudo. Voltarei a ele? Uma coisa de cada vez, não é Henrique? Vamos a ver. De uma forma ou outra a gente luta sempre. Momentos de quase esperança, momentos de desânimo. Não: momentos de muito desânimo e momentos de desânimo maior, como se me obrigassem a escolher entre o que não vale nada e o que vale ainda menos. Este mês deram-me um prémio literário. Estão sempre a dar-me prémios e claro que tenho prazer nisso, não sou mentiroso nem hipócrita. Toda a gente foi muito simpática
e sem que eles sonhassem(sonhava eu)
o cancro ratando, ratando, injusto, teimoso, cego. Mói e mata. Mata. Mata. Mata. Mata. Levou-me tantas das pessoas que mais queria. E eu, já agora, quero-me? Sim. Não. Sim. Não - sim. Por enquanto meço o meu espanto, à medida que nas árvores da cerca uns pardais fazem ninho. A primavera mal começou e eles : truca, ninho. Obrigado, Senhor, por haver futuro para alguém.
«Crónica do Hospital», Visão, 12 de Abril de 2007

Samstag, 7. April 2007

Americano

Quelle
Inman, ferido na Guerra Civil que o separou de Cold Mountain e de Ada, abandona o hospital e deserta, cansado de luta e de morte. O regressso a é longo e prepara-lhe encontros nem sempre agradáveis, mas sempre surpreendentes. Pelo caminho, Inman vai alternando a experiência imediata com as recordações do passado e sobretudo de Ada.

Em Black Cove, Ada procura um caminho após a morte do pai, Monroe. Sem saber o que fazer da casa e da quinta, tendo até então vivido num mundo tranquilo de livros protegido pelo zelo do pai, Ada sabe apenas que o seu lugar é em Black Cove e por isso recusa-se a regressar à terra natal de Monroe e a submeter-se ao apoio forçado de uma família que pouco conhece.

As histórias de Inman e Ada alternam ao correr dos capítulos e completam-se numa só história, que aguarda o reencontro e um desfecho. A início, é a aprendizagem de Ada sobre o lado prático da vida que apela à empatia, e os capítulos de Inman são uma interrupção indesejada nestes progressos. Contudo, gradualmente a atenção é atraída para a viagem de Inman, para as personagens únicas e as suas histórias, para a quietude solitária da natureza majestosa, implacável, soberana.

Um acaso de circunstâncias encena o reencontro de Inman e Ada na encosta de Cold Mountain, onde os dois vêem no aspecto irreconhecível do outro o reflexo da sua própria mudança.

Cold Mountain lembra a Odisseia, mas coloca-a num cenário unicamente americano, em que a imponência da natureza reduz a existência humana a um acaso fortuito. Não é por acaso que o livro leva este título: Cold Mountain é a sua figura central.

Freitag, 6. April 2007

Utopias

Ainda a propósito da votação que elegeu Salazar o grande português. Parece-me que as leituras do resultado são no mínimo tão limitadas como a ideia do inquérito. Sugere-se que se tratou de um voto de descontentamento, uma espécie de analogia à rejeição da constituição europeia na Holanda e em França. Ou seja, porque estamos descontentes com o presente, provocamos, ressuscitando os fantasmas do passado. Outra hipótese é a de que o voto não é representativo, o que é verdade. Mas o voto nem por isso deixa de ser expressivo. Depois, tenta-se desacreditar quem votou com rótulos de ignorância.

Porque elegeram os portugueses Salazar? A resposta simples parece ser porque sentem nostalgia do tempo passado, que só parcialmente recordam. Ou seja, naquela altura não havia desemprego, protestos, crime, e a vida era muito mais fácil, portanto melhor.
Claro que havia a questão da liberdade ou da falta dela, mas essa só afectava uma minoria. Uma minoria que em vão se procura hoje. Onde estão os políticos de carisma, os ideólogos, os intelectuais (num sentido que não é pejorativo)?

Eu creio que nesta procura de causas, os portugueses não estão tão errados como isso. Ao cortar a liberdade, o Estado Novo tornou-a importante o suficiente para que valesse a pena lutar por ela. O voto por Salazar pode assim ter outra leitura. É a escolha nostálgica do motivo que nos levou a mostrar coragem, a arriscar o exílio a favor de uma ideia, a mostrar ao mundo que o vermelho de uma revolução não precisa ser de sangue.

Montag, 2. April 2007

Exercício

Quelle

sig mig min gode man har du egentlig ikke
en bevidsthed hvordi tingene giver mening?
jeg spørger bare fordi jeg vil vide om og hvorvidt
det mon er umagen værd at sige noget absurd

diz-me, meu caro, não terás porventura
uma consciência onde as coisas fazem sentido?
pergunto apenas porque quero saber se sim e até que ponto
valerá a pena o esforço de dizer algo absurdo

jeg er, defor tænker jeg, og derfor er jeg,
man må være for at kunne tænke noget,
så gør man det, er man det, simpelthen
existo, logo penso, logo existo,
é preciso existir para pensar algo,
e ao fazê-lo, é-se, simplesmente

dagene går, jeg er her endnu, men menneskene,
som jeg rejste fra, kender mig ikke mere, og hvis
jeg mødte dem på gaden, ville de ikke vide det,
jeg ville vide det og se på dem uden at møde dem

os dias passam, ainda estou aqui, mas as pessoas
de quem me separei já não me conhecem, e se
as encontrasse na rua, não o saberiam,
eu saberia e vê-las-ia sem as encontrar

Per Aage Brandt, Negationer. København, Basilisk, 2007.

Freitag, 2. März 2007

Neo ou kitsch? encore



O mesmo paradoxo: a arte é intemporal, mas histórica. E há pecados que não toleramos, como reinventar o Gótico em cimento. Impossível o que se faz por aqui com os locais de culto e os edifícios institucionais.

Já o Empire State Building é tão legítimo como o Arco do Triumfo ou a Catedral de Colónia. Foi construído no seu tempo e é igual apenas a si próprio. Um marco na história de Nova Iorque e dos Estados Unidos, e um entre os muitos arranha-céus da cidade, de que o skyline de urbes como Frankfurt são um pálido reflexo.

Dienstag, 27. Februar 2007

Neo ou kitsch?


A história da arte assenta numa antinomia, que ainda não está resolvida. Por um lado, a arte é intemporal: as orquestras reproduzem por toda a parte o Adagietto de Mahler, o Requiem de Mozart, a nona de Beethoven; os quadros de Monet viajam pela enésima vez para mais uma exposição, enquanto milhares de visitantes fixam o olhar no sorriso mais famoso do Louvre; as pirâmides - egípcias ou maias - vêem fascinando gerações ao longo de séculos.

E no entanto, se a alguém ocorre continuar onde os criadores destas obras pararam - isto é, compondo como Mahler ou pintando como Da Vinci - mesmo que o faça com a convicção ingénua de que aqueles são exemplos a seguir, os resultados inspiram no mínimo um encolher de ombros enfadado, ainda que o novo artista seja exímio na técnica. Isto acontece porque a arte, sendo intemporal, é histórica.

Paradoxo? Sem dúvida.

Porque é que continuamos a ouvir Beethoven e não consideramos um músico que hoje resolva compor como ele, mesmo que o faça com todo o rigor e seriedade?
Imagine-se que a alguém ocorria construir um sucedâneo da torre Eifel.

Uma hipótese pode ser a intencionalidade. A diferença entre a orquestra que toca Beethoven hoje e o músico que compõe como Beethoven é que a primeira não se substitui ao compositor. Da mesma forma que a orquestra romântica interpretava as obras, também as orquestras de hoje o fazem, independentemente de quem as escreveu. Já o músico coloca-se na mesma posição intencional do compositor, identifica-se com ele, substitui-o. E esta ousadia não é admissível.

Por outro lado, o compositor de hoje não pode compor como Beethoven, como se o que se lhe seguiu - de Schubert a Schönberg - não tivesse existido (como não tinha existido para Beethoven).

Ao músico restam então dois caminhos: pode ser levado a sério se a sua intenção for vista como uma paródia ou ironia, em contextos em que esta finalidade seja clara; ou então a sua criação, independentemente de toda a mestria ou verdade, será relegada ao kitsch.

Intemporal, mas histórica. É esta antinomia o motor da história da arte, da sucessão de estilos e escolas. Um artista inventa uma nova criação com o intuito de originalidade. Por ser bom, o modelo logo é copiado pela sua geração, que o reinventa sem lhe alterar a essência. Para chegar de novo à originalidade, há que inventar outra expressão. E a sucessão deste ciclo dita a história da arte.

Resta saber em que é que os movimentos neo superaram o pardoxo e se estabeleceram como movimentos legítimos, distintos das linguagens originais de forma subtil, mas firme.

Sonntag, 25. Februar 2007

And the oscar goes to...

Melhor filme estrangeiro: Das Leben der Anderen, de Florian Henckel von Donnersmarck

Pan

Uma história de fadas para adultos.

Freitag, 23. Februar 2007

Monet e a Normandia em Cleveland


A exposição recapitula a ligação de Monet com a normandia, o fascínio do mar, a busca da luz, a sugestão da forma, a verdade da cor. Quase tão fascinante como olhar os quadros é ler os textos que os acompanham. Para descrever a pintura são necessárias todas as outras artes.

Wheat Field, 1881
Deceptive in its apparent simplicity, the painting is masterful in its formal choreography.

Waves at the Manneporte, 1883
Staccato brushstrokes record the momentary effects of sunlight striking the inner face of the arch.

The Sea at Fécamp, 1881
To capture this view, the artist descended to the base of the cliffs… The artist – as well as the viewer – is not only a spectator of nature, but a protagonist watching the sea and wind.

By the Sea at Fécamp, 1881
The wilderness of the stormy weather is reflected in the savagery of Monet’s brushstrokes.

Water Lilies
To capture these ephemeral effects, he developed an increasingly duo-dimensional vocabulary that moved beyond Impressionism towards an entirely modern way of envisioning painting.

Donnerstag, 15. Februar 2007

Lugar Incomum


O traço era familiar e lembrava Düsseldorf, em versão menos contida. Afinal sempre foi o mesmo Frank O'Gehry o autor do projecto. O Peter Lewis Building, assim chamado em honra do mecenas, alberga a escola de gestão da Case Western Reserve University. É um espaço que desafia as convenções e convida ao alternativo. Aprecio o inesperado, embora me constranja o peso dos tectos.


A provocação de Gerry tem mais subtileza nas margens do Reno.

Mittwoch, 14. Februar 2007

Branca de Neve

Claustrofobia ao ar livre, perder o pé a caminhar. E o fascínio irresistível de pisar o manto por estrear, a cada passo um começo, sem olhar para o trilho que desmanchou a promessa. Infantil e irresistível!
Dia de S. Valentim. A neve estragou os planos a quem encomendou entregas de balões, flores, mensagens e outras extravagâncias. Há quase um mês que o mundo (!) se prepara para este dia. As flores nas lojas, os corações na padaria, a música na rádio, a publicidade cor-de-rosa, os eventos de todos os tamanhos, a inquisição ensurdecedora: Já comprou o seu presente? Não se esqueça do seu Valentim! Procura ideias? Temos tudo o que precisa!
Lembra o Natal. Em king size, como tudo por aqui.
A neve voltou a cair, a preparar-me o tapete para o passeio de amanhã.

Sonntag, 11. Februar 2007

Notes on a Scandal


"Mind the gap between the life you wish and the life you live."
Duas poderosas interpretações de duas excelentes actrizes num filme sobre solidão, afecto, segredos, limites. O bem e o mal não se separam numa linha categórica e é impossível não simpatizar com as duas personagens, mesmo apesar dos seus erros. Ou talvez por eles, por revelarem o lado frágil da sua humanidade. A ver.

Samstag, 10. Februar 2007

Bálsamo


Depois de anos a ler apenas em português e alemão, com o inglês reservado às leituras de trabalho, cedi finalmente espaço a esta língua nas minhas leituras por prazer.
A minha ignorância dos autores contemporâneos americanos é grande, e por isso aceito a sugestão subjectiva de terceiros.
O romance conta a história de Lilly Owen, uma adolescente de 14 anos que vive na Georgia com o pai, a quem trata por T. Ray (Daddy não condiz com ele), com a recordação da mãe, que viu morrer aos quatro anos, e com a culpa de a ter morto ao pegar acidentalmente numa arma, durante uma discussão dos pais, motivada pela decisão da mãe de abandonar T. Ray. Na mesma casa mora a negra Rosaleen, ama de Lilly, que se prepara para ir à cidade registar-se para votar. A caminho, responde aos insultos de alguns homens brancos que as vêem passar, e as duas acabam na prisão da cidade. Lilly sai passadas algumas horas. Rosaleen fica e é agredida pelos mesmos homens, acabando internada no hospital. Ao inteirar-se da situação, e depois de uma discussaõ com T. Ray, que lhe afirma que a mãe a abandonara a ela também, Lilly resolve sair de casa, levando consigo as poucas recordações da mãe que guarda: umas luvas brancas, uma fotografia e uma imagem de uma Virgem negra, com um nome de uma terra por trás: Tiborun S.C. Lilly dirige-se ao hospital e ajuda Rosaleen a fugir, e ambas dirigem-se a Tiborun, onde Lilly espera descobrir mais coisas sobre a mãe. Em Tiborun, uma feliz coincidência leva-as à casa cor de rosa das irmãs com nomes dos meses do calendário: May, June e August. Esta última produz mel, que vende em frascos com a mesma Virgem negra no rótulo. As irmãs resolvem acolher Lilly e Rosaleen, embora saibam que estas escondem a verdadeira razão da sua presença ali. Lilly e Rosaleen passam um Verão sereno e feliz no ambiente em que vivem as irmãs. Lilly inicia-se na arte da apicultura e nos segredos da vida das abelhas, e aprende a pouco e pouco que a vida se parece com a existência nas colmeias.
O final é previsível, mas está bem contado. Algumas reflexões e palavras de Lilly são demasiado amadurecidas para os seus 14 anos, mas acedemos a deixar a assimetria de parte. E toda a narrativa decorre sobre o pano de fundo da América do final dos anos 60, feita de problemas raciais e sociais, dos desafios da ciência que levaram o homem à lua, do misticismo excêntrico de rituais caseiros, e de paisagens cheias de cores, sons e cheiros longínquos.
Reconcilio-me com a leitura em inglês.

Sonntag, 4. Februar 2007

2ºF

Ou -17ºC.
O Inverno mais frio dos últimos 7 anos em Cleveland.

Mittwoch, 17. Januar 2007

Do outro lado do Atlântico

Sete horas e meia é quanto demora cruzar um oceano que já foi o limite do mundo. Do outro lado, a terra prometida dos sonhos de cinco séculos. E uma identidade difusa, feita da bagagem diversa que trouxe quem foi chegando.
Tecnologia, mobilidade, espaço, regras, tudo awesome.
Aterrar é despertar num cenário de ficção televisiva. Nova Iorque existe afinal, e as pessoas falam mesmo assim.

O campus é uma indústria eficiente, lucrativa, tecnológica. Há mais sinais de WiFi do que placas a conduzir à biblioteca. Neste espaço, a pessoa vive para já apenas na canção do Grönemeyer. Que me chega pelos fios do iPod.