Depois, finalmente chegou o telefone, da mesma côr bege com que agora pintavam os táxis, com botões brancos e um toque estridente que me punha em alvoroço. Gostava tanto de o ouvir, que inventava pretextos para as amigas me ligarem à noite. A conversa impacientava-me, na verdade só queria ouvi-lo tocar, pegar no auscultador com a afectação eficiente de uma secretária, enquanto deitava um olhar furtivo ao espelho em frente. Depois, dizia a palavra inevitável e a magia acabava. Por agora.
Às vezes penso se não terei sonhado esse tempo. A memória traz contornos de ficção e entre mim e aquele outro eu quase não há afinidade. Continuo a não gostar das conversas ao telefone, só que agora também já não gosto de ouvir o toque. Prefiro falar em presença, ou, melhor ainda, escrever, em tempo real ou com atraso, pois que posso sempre pensar duas vezes antes de dizer o que não devo ou não quero. Ou justamente, exactamente o que quero.
A omnipresença de hoje é fascinante. A distância entre mim e o vizinho ou um amigo do outro lado do Atlântico é exactamente a mesma, a velocidade com que se tecem redes no mundo virtual é espantosa. Num instante descobrimos que temos "amigos" por toda a web e perde-se a noção de "fronteira".
Naturalmente, estou rendida às possibilidades de comunicação global, que me trazem o mundo quando estou em casa, e me devolvem a casa quando estou no mundo. Mas esta abertura ao mundo não raro me traz desejos de exílio, para um qualquer lugar onde um toque de telefone ainda seja um acontecimento.