Dienstag, 14. November 2006

Babel


É o mito bíblico em versão contemporânea. Uma história à escala global e em todo o lado a mesma angústia de não compreender nem se fazer entender. E uma sucessão de episódios de que ninguém tem culpa, que não se resolvem porque ninguém ouve. O mundo a duas velocidades, numa assimetria de pobreza isolada e kitsch colorido, de um lado, e profunda tristeza na abundância high tech do outro. No final tudo se resolve a bem do lado do costume. A custo da vida, da infância inacabada e da vida interrompida, do outro lado.A fotografia é excelente, a música e o silêncio bem colocados, e os actores, mesmo por um dia, convencem. A ver.

Dienstag, 7. November 2006

Samstag, 4. November 2006

Das Leben der Anderen


Depois da onda de (n)ostalgia de Goodbye Lenin ou Sonnenallee, Das Leben der Anderen abandona o olhar melancólico sobre a DDR, à la "those were the days", para dar conta de uma realidade que decerto a poucos deixou saudades, depois da queda do muro: a polícia secreta, a repressão, a desconfiança, o medo. Em síntese, o que caracteriza uma ditadura, de esquerda ou de direita.
A acção decorre em Berlim oriental, em 1984. O Comandante da Stasti Gerd Wiesler (Ulrich Mühe) é incumbido de vigiar o escritor Georg Dreyman, em resultado de uma intriga do ministro Bruno Hempf, que quer afastar Dreyman para ficar com a sua companheira, Christa-Maria Sieland (Martina Gedeck). Wiesler, cinzento e eficiente como o regime, cumpre com diligência a tarefa, e escuta tudo o que acontece em casa de Dreyman: a festa de aniversário, as conversas dos amigos intelectuais, a intimidade de Dreyman e Christa-Maria. A pouco e pouco, Wiesler começa a preencher a sua existência vazia com a vida dos outros. Gradualmente, vai perdendo a distância da tarefa. Quando descobre que Dreyman, movido pelo suicídio de um amigo encenador impedido de trabalhar, está a escrever um texto crítico para a revista da BRD Der Spiegel, Wiesler não o entrega. Pelo contrário, enche os relatórios das escutas com os rascunhos fictícios de Dreyman para uma peça de teatro destinada à celebração dos 40 anos da DDR.
Naturalmente, depois de alguma tensão, a mentira é descoberta e o processo de escuta é encerrado com um acontecimento trágico. Mas este não é ainda o final do filme. Nem mesmo a queda do muro é o momento derradeiro da história. Afinal, Dreyman não sabe ainda que foi alvo de escuta da Stasi. E também não conhece Wiesler. Para estas revelações, Dreyman precisa do resto do filme.
Das Leben der Anderen é uma narrativa com um final, onde todos os fios se juntam num tecido perfeito, e em que todas as questões encontram uma resposta. Ou seja, o filme é tudo o que a vida não é. E essa é talvez a sua única falha: ser uma ficção tão real.


Particularidades e alguns momentos:

A música.

Dreyman ao piano, Christa-Maria de pé, ao lado. Sonate für den guten Menschen, uma homenagem ao amigo que lhe trouxe a pauta no aniversário, antes do suicídio. Dreyman cita Lenin: se ouvisse uma sonata de Bethoven até ao fim, não conseguiria terminar a revolução.

A insegurança da actriz Christa-Maria, que não a deixa ver como o público a reconhece. E o público, ein guter Mensch, que a ajuda a descobri-lo.

No refeitório da sede. Enquanto Wiesler e Grubitz conversam sobre a escuta a Dreyman, um jovem funcionário, sem se aperceber da presença dos dois, senta-se junto aos colegas e conta uma anedota sobre Honecker:
Eines Tages früh morgens grüsste Honecker die Sonne, als diese aufging:
"Guten Morgen, liebe Sonne!"
" Guten Morgen, lieber Erich!", erwiderte sie.
Später dann, bereits zu Mittag, grüsste Hocecker die Sonne erneut.
"Guten Tag, liebe Sonne!"
Und wie am Morgen grüsste ihn die Sonne zurück.
"Guten Tag, lieber Erich!"
Als es später wurde und bald der Mond kommen würde, grüsste Honecker die Sonne zum Abschied.
"Guten Abend, liebe Sonne!"
Aber die Sonne erwiderte seinen Gruss nicht. Er wiederholte:
"Guten Abend, liebe Sonne!"
Als sie weiter still blieb, fragte sie Honecker, warum sie ihn nicht grüsse.
Die Sonne sagte:
"Ach was! Jetzt brauche ich dich nicht mehr grüssen. Jetzt bin ich im Westen!"

Freitag, 3. November 2006

Völkerverständigung...

...ist, wenn Kölner Basketballer in einer Düsseldorfer Halle spielen dürfen.
(Im MoMa gehört)

Freitag, 27. Oktober 2006

Relevância

As máximas de conversação que Paul Grice descreveu no século passado, têm sido alvejadas pela crítica nos últimos anos, como é natural acontecer às ideias. Ainda assim, estas normas orientam o nosso discurso e zelam pela eficiência da comunicação quotidiana. São regras implícitas, interiorizadas e por isso aparentemente demasiado óbvias para merecerem atenção. Porém, é justamente a infracção que torna a norma evidente. E quando alguém nos telefona para falar de assuntos absolutamente irrelevantes, e à verborreia incessante acrescenta uma dose excessiva de informação redundante, reagimos com frontalidade ou desespero, por nos fazerem dispender esse recurso único e irreversível que é o tempo.
Na verdade, estas máximas são linhas orientadoras. A comunicação é mais subtil do que o que elas permitem. Mas se casos há em que esperamos a infracção da regra, na generalidade desejaríamos que elas fossem recordadas com mais frequência. A bem da eficiência e da cooperação comunicativa. E da nossa saúde mental...

Maxim of Quality: Truth
Do not say what you believe to be false.
Do not say that for which you lack adequate evidence.


É o que esperamos do jornalismo e duvidamos da política. Mas não ligamos em literatura e copiosamente esquecemos na cortesia.

Maxim of Quantity: Information
Make your contribution as informative as is required for the current purposes of the exchange.
Do not make your contribution more informative than is required.


O que faz falta a muitas teses. E na sala de espera do consultório. E nas viagens de comboio de mais de 3 horas.


Maxim of Relation: Relevance
Be relevant.



A grande diferença entre o telejornal português e as notícias da ARD.


Maxim of Manner: Clarity
Avoid obscurity of expression.
Avoid ambiguity.
Be brief (avoid unnecessary prolixity).
Be orderly.


Tenho dito.

Samstag, 21. Oktober 2006

A inutilidade da Arte

Quem o afirma é Paul Auster, mas a ideia está longe de ser nova. Um inquérito informal na praça seria o bastante para renegar a arte para o fundo do ranking de prioridades.
O que torna uma actividade útil é a necessidade dela: a doença viabiliza o médico, a vontade de pão fresco na manhã de sábado glorifica o padeiro, o crime instaura o juíz, a piromania impõe o bombeiro. Mas que necessidade justifica o artista?

É claro que nesta perspectiva materialista, a arte não é a resposta a uma necessidade imperiosa. Neste sentido, a arte não é tão útil como a medicina ou a recolha do lixo. Por outro lado, a utilidade está aqui associada à produção de um bem ou serviço para usufruto imediato (o pão) ou para a solução de um problema (impedir o crime).

Será então a arte a realização supérflua, quando as necessidades mais elementares estão satisfeitas? Cabe à arte apenas o espaço que resta?
Na verdade, a necessidade de arte é real, como o provam as pinturas rupestres, as danças tribais, os azulejos do metro ou a colecção de CDs. A utilidade desta e de outras realizações mede-se pela intenção que transportam e que é diferente em cada caso. Contudo, a necessidade que lhes subjaz é menos perceptível do que no caso do médico ou do bombeiro. Porque o problema que a arte resolve é de outra ordem. E para o perceber é preciso olhar atrás.

(Sim, agora vem o pavão...) Esta ave impressiona pelo leque de penas na cauda e no topo da cabeça. Estes acessórios não servem para nada. Pelo contrário, são um estorvo. Não nos apercebemos disso quando os vemos nos parques das cidades de província que conhecemos dos passeios de estudo da escola. Mas o pavão do parque é um artifício, como o leite em pacotes no supermercado. Neste sentido, porque não se preocupa com a sobrevivência, o pavão do parque permite-se a ostentação dos atributos. O que espanta é que os colegas em liberdade se permitam a mesma exuberância. As penas do pavão impressionam, a nós como ao pavão fêmea. Mas este é menos superficial e preocupa-se mais com a vantagem reprodutiva: um par vaidoso é interessante, mas é mau pai de família. O peso da cauda não ajuda na fuga dos predadores e as cores são aqui muito pouco discretas, pondo em perigo o próprio e por consequência a família. Então porque sobreviveu a cauda à lei darwiniana?
Na verdade, a história pode ver-se por outro prisma: se o pavão se dá ao luxo desta ostentação barroca (até um pouco kitsch) apesar das desvantagens óbvias, isto é um sinal de fitness da espécie. Ele não só consegue sobreviver aos predadores, mas consegue-o apesar da desvantagem desta vaidade natural, o que é um sinal da sua supremacia.

O que tem o pavão a ver com a arte? A sua história evolutiva obriga-nos a repensar o conceito de necessidade. As realizações culturais do ser humano começaram por surgir como resposta a a necessidades imediatas (ex. os instrumentos de caça são porventura a primeira tecnologia e as habitações mais primitivas são decerto o início da arquitectura). A razão de ser da arte na perspectiva da evolução prende-se com o efeito que ela tem sobe o indivíduo. A arte é um espaço de alheamento da realidade imediata, de tranquilidade ou de experiências alternativas. A vantagem evolutiva vê-se em relação ao stress a que os indivíduos estão votados ao longo da evolução: a sobrevivência da espécie humana é quase um milagre. A dependência prolongada dos progenitores, a falta de mecanismos biológicos de defesa e protecção (pêlo, garras e afins) contra o ambiente e os predadores, resultam num saldo negativo, que só a fantástica invenção da cultura, de realizações como a linguagem e a arte, compensam. A linguagem, por exemplo, permite falar sobre o possível perigo de predadores antes de eles estarem à vista. E a arte porque permite "o descanso do guerreiro" e a retoma do equilíbrio homeostático para enfrentar com sucesso novas situações de stress (ex. alterações do ambiente, presença de predadores).

E o que têm os antepassados a ver com a nossa situação de hoje? Bastante. Se eles pintavam em cavernas, nós vamos ao cinema, lemos livros, visitamos exposições, cantamos, ouvimos cantar. A arte, cuja invenção em termos evolutivos se deu somente ontem, registou um progresso impressionante nos últimos 50 mil anos, mas em essência continua a cumprir o mesmo papel. Ela permite desenvolver competências cognitivas como a criatividade, a imaginação (pensemos na ficção; mas sobre isso, noutra altura), um domínio em que se simulam e testam situações que podem vir a ser autênticas. O stress evolutivo da espécie deixou de ser um problema, mas o stress individual é ainda uma realidade e a arte continua a ser balão de ensaio e válvula de descompressão à escala subjectiva.

A arte existe não porque é inútil, mas porque é útil. A utilidade define-se em relação à necessidade, que no caso da arte não é visível como a doença que incapacita ou imediata como o pão ao sábado. Na sua subtileza, a necessidade da arte revela-se essencial. Quem não acredita imagine a baixa sem livrarias, uma orquestra sem pauta, as paredes despidas do museu, a missa sem lugar, um jornal sem grafismo, a casa sem quadros.
E de repente, é na ausência que utilidade da arte se torna mais visível.

Donnerstag, 19. Oktober 2006

Gravidade


Pintar as folhas de verde claro e colá-las de novo às árvores. Espantar os corvos pretos, que enchem de Inverno os sons da manhã. Assobiar às gaivotas para que voltem. Limpar as teias de nuvens cinza e puxar o sol para cima.
O Outono enche-me de nostalgias e de fim. O desafio branco do sol murcha e o fogo das árvores é ilusão de incandescências passadas. As estridências das horas longas extinguem-se em silêncios. A noite lenta avança, invade o tempo e o espaço. A vertigem das folhas em queda livre e na janela o deslizar de um choro incessante. A monotonia da chuva abafa os timbres de ontem e o mar é a continuação monocromática do céu.
O ciclo torna-se linha e o destino é certo.

Doch im Fallen ist mehr als sinken. Es ist auch das Gefangen Sein.


Herbst
Rainer Marie Rilke

Die Blätter fallen, fallen wie von weit,
als welkten in den Himmeln ferne Gärten;
sie fallen mit verneinender Gebärde.

Und in den Nächten fällt die schwere Erde
aus allen Sternen in die Einsamkeit.

Wir alle fallen. Diese Hand da fällt.
Und sieh dir andre an: es ist in allen.

Und doch ist Einer, welcher dieses Fallen
unendlich sanft in seinen Händen hält.