Depois, finalmente chegou o telefone, da mesma côr bege com que agora pintavam os táxis, com botões brancos e um toque estridente que me punha em alvoroço. Gostava tanto de o ouvir, que inventava pretextos para as amigas me ligarem à noite. A conversa impacientava-me, na verdade só queria ouvi-lo tocar, pegar no auscultador com a afectação eficiente de uma secretária, enquanto deitava um olhar furtivo ao espelho em frente. Depois, dizia a palavra inevitável e a magia acabava. Por agora.
Às vezes penso se não terei sonhado esse tempo. A memória traz contornos de ficção e entre mim e aquele outro eu quase não há afinidade. Continuo a não gostar das conversas ao telefone, só que agora também já não gosto de ouvir o toque. Prefiro falar em presença, ou, melhor ainda, escrever, em tempo real ou com atraso, pois que posso sempre pensar duas vezes antes de dizer o que não devo ou não quero. Ou justamente, exactamente o que quero.
A omnipresença de hoje é fascinante. A distância entre mim e o vizinho ou um amigo do outro lado do Atlântico é exactamente a mesma, a velocidade com que se tecem redes no mundo virtual é espantosa. Num instante descobrimos que temos "amigos" por toda a web e perde-se a noção de "fronteira".
Naturalmente, estou rendida às possibilidades de comunicação global, que me trazem o mundo quando estou em casa, e me devolvem a casa quando estou no mundo. Mas esta abertura ao mundo não raro me traz desejos de exílio, para um qualquer lugar onde um toque de telefone ainda seja um acontecimento.
1 Kommentar:
De repente, ficámos todos contactáveis, a toda a hora, a todo o instante, o que tem as suas vantagens, é certo, mas que ao mesmo tempo nos sufoca!
Nada se compara ao frenesim longínquo dos telefonemas intermináveis das amigas que se repetiam até aos limites do improvável. Esses telefonemas encerravam uma certa magia, eram momentos únicos. O telefone tocava. Em casa, claro está. Atendíamos euforicamente e a conversa prolongava-se ad eternum...As conversas dependiam do acaso, daquela fracção de segundo decisiva.
Na rua, ninguém nos incomodava com o toque, por vezes irritante, do telemóvel que veio mesmo para ficar!:)
Beijinhos
Ana
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